terça-feira, 4 de novembro de 2014








Poderes de investigação tributária- algumas limitações                         

           Regina de Almeida Monteiro           









DEZEMBRO 2010

ÍNDICE


ÍNDICE..................................................................................................................................... 2
Abreviaturas utilizadas........................................................................................................... 3
1.    SISTEMA FISCAL EM PORTUGAL........................................................................................... 6
2.    SIGILO BANCÁRIO............................................................................................................... 9
2.1.    Origem Histórica........................................................................................................ 9
2.2.    Em Portugal.............................................................................................................. 10
2.3.    Limites aos Deveres de Colaboração....................................................................... 12
2.4.    Derrogação do Sigilo Bancário.................................................................................. 16
CONCLUSÃO........................................................................................................................... 19
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 21





Abreviaturas utilizadas

AC – ACÓRDÃO
AT – ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
CC – CÓDIGO CIVIL
CPPT – CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
CRP – CONSTITUIÇÃO DA RÉPUBLICA PORTUGUESA
DGCI – DIRECÇÃO GERAL DE IMPOSTOS
IRS – IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINSULARES
LGT – LEI GERAL TRIBUTÁRIA
TC – TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


O tema escolhido foi “LIMITES AOS PODERES DE INVESTIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA”.
Constituindo a tributação uma questão multidisciplinar, uma vez que envolve conhecimentos de administração, administração pública, contabilidade, direito, economia, finanças, política, sociologia e outros sectores de conhecimento, pensamos que mesmo um especialista, por mais experiente que seja, terá dificuldades em abordaras matérias fiscais de forma global.
Considerámos, no entanto, que o objectivo que nos propomos com o presente trabalho, constitui um instrumental didáctico simples e viável pela conotação a outros sectores do conhecimento considerados relevantes face à temática em perspectiva e ao nosso propósito: por um lado, o processamento do acesso da Administração Tributária (AT), para fins administrativos, à informação bancária protegida pelo segredo bancário em Portugal, e, por outro, a delicada questão que essa intervenção pode colocar, ao nível da tutela da privacy[1], para o cidadão/contribuinte. B
Apesar do nosso tema se referir aos Limites dos Poderes de Investigação da Administração Tributária, no nosso entender e derivado às pesquisas efectuadas iremo-nos focar numa das principais limitações: “SIGILIO BANCARIO”. Esta escolha foi determinada por duas razões: a primeira, a actualidade e a discussão que este tema desperta em vários quadrantes da sociedade portuguesa; e a segunda, e porventura a mais importante, está relacionada com o contributo que um acesso da Administração Tributária à informação bancária dos contribuintes poderá ter como instrumento de combate à fraude e evasão fiscais.

1.    SISTEMA FISCAL EM PORTUGAL

De acordo com os dados do Ministério das Finanças, entre Agosto de 2008 e Julho de 2009 aproximadamente 40.196 contribuintes (88,2% do universo em questão) efectuaram pagamentos em execução fiscal.
Foram instaurados cerca de 10 mil processos-crime contra as empresas faltosas e contra os respectivos administradores, por falta de entrega dolosa da prestação tributária de valor superior a 7.500 euros. Em 2008 foram instaurados 4.542 processos de inquérito e, já este ano, foram instaurados cerca de 5.500 processos.
O aumento do nível de instauração dos processos de inquérito não corresponde a um aumento da criminalidade fiscal mas decorre, isso sim, das melhorias introduzidas na capacidade de detecção de crimes tributários e na metodologia de trabalho implementada nos serviços de investigação criminal da DGCI.
De 1 de Janeiro até final de Julho de 2009 foram remetidos para o Ministério Público e concluídos pela DGCI, após a realização dos respectivos actos de investigação criminal fiscal, 2.580 processos de inquérito criminal, como evidencia o gráfico seguinte.
Só um sistema fiscal coerente, estruturado e eficiente permite alcançar a necessária equidade fiscal entre os cidadãos e as empresas que competem no mercado. Por isso, a Administração Fiscal continuará a investir na eficiência dos meios de investigação criminal fiscal, sendo importante relevar a competência e o profissionalismo dos investigadores da DGCI, que tem sido determinante para alcançar estes resultados.



2.    SIGILO BANCÁRIO


2.1.       Origem Histórica

A origem histórica do segredo bancário remonta à Babilónia, há quatro mil anos atrás, com o Código de Hammurabi. Aí surge pela primeira vez uma referência concreta ao segredo bancário.
A concepção moderna do sigilo bancário, porém, apenas viria a ter a sua consagração já em pleno séc. XX, concretamente em 1934, quando as autoridades suíças na sequência de um conflito com a Alemanha nacional-socialista a propósito de declarações de haveres de alemães no estrangeiro e da subsequente execução de três cidadãos, decidiram legislar sobre o sigilo bancário, punindo criminalmente a sua violação.
De então para cá, o conceito de sigilo bancário passou a ser incorporável no léxico e na praxis da actividade bancária[2].

2.2.       Em Portugal

A consagração do segredo bancário, em Portugal, tem, na origem, razões históricas recentes e relacionadas com a devassa pública das contas bancárias, no período seguinte à revolução de 1974-75. O segredo bancário foi legalmente consagrado, em 1975, através da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 644/75, de 15 de Novembro, e reforçado pelo Decreto-Lei n.º 729-F/75, de 22 de Dezembro, que consagrou as Bases Gerais das Instituições Bancárias Nacionalizadas.
O segredo bancário foi, ainda, visado com o Decreto-Lei n.º 475/76, de 16 Julho, com a redacção que deu ao n.º 1 do art.º 290, do Código Penal, passando a penalizar a violação do segredo, surgindo, aqui, o segredo bancário na dependência do segredo profissional. Com o Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro, proibiu-se a revelação de informação bancária. Poucos anos mais tarde, a legislação passa a estabelecer excepções, como, por exemplo, a Lei n.º 45/86, de 1 de Outubro, que dava poderes à Alta Autoridade contra a Corrupção para obter informações, mas restringia essa capacidade ao que não estivesse abrangido por dever de sigilo protegido pela lei.
Na década de noventa, os artigos 78.º a 80.º, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estabeleceu o Regime Geral das Instituições de Crédito a Sociedades Financeiras, consagra este dever de segredo absoluto (art.º 78), embora admita algumas excepções, como as informações devidas ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários ou ao Fundo de Garantia dos Depósitos. A excepção é significativa, pois, além do papel de controlo do sistema bancário que incumbe ao Banco de Portugal, esta lei define uma outra instituição com poder de obter toda a informação que entenda relevante: a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários, que procura, com toda a legitimidade, combater o inside trading. No entanto, este procedimento é excepcional e, surpreendentemente, não é dada à administração fiscal a mesma capacidade que é concedida à Comissão de Mercados de Valores Imobiliários.
Assim, tanto o Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro) como a Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) mantêm a reserva do segredo absoluto, em relação à administração pública. Aliás, a quebra do segredo bancário só poderia ser autorizada pelos juízes dos tribunais comuns, estando mesmo excluídos os tribunais fiscais nesta matéria (cf. os arts.º 211, n.º 1, e 212, n.º 3, da CRP). Só nos últimos anos foram adoptadas medidas que alargam a capacidade da administração fiscal aceder à informação bancária[3]. A mudança legislativa mais profunda foi introduzida com a reforma fiscal de 2000, com a Lei n.º 30-G/2000, nomeadamente, com as alterações à LGT, que enfraqueceu o segredo bancário, sobretudo, quando permitiu à própria AT o acesso à informação bancária, protegida pelo segredo bancário, sem necessidade de autorização judicial, e quando altera, ainda, o CPPT, estabelecendo as condições do processo especial de derrogação, incluindo o recurso interposto pelo contribuinte de decisão da administração fiscal.
Os artigos 63.º e 63.º-B da LGT, aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro e posteriormente alterado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aplica-se aos factos tributários ocorridos após as respectivas entradas em vigor. Tal significa que só no âmbito do controlo de operações relativas ao exercício de 2001 houve a possibilidade de recurso a esta faculdade legal, na sua versão originária. Em termos práticos, só a partir do ano de 2003 é que começaram a ser instaurados procedimentos de derrogação do sigilo bancário.

2.3.       Limites aos Deveres de Colaboração

 “Os sistemas tributários modernos caracterizam-se pelo elevado volume de informação a que a Administração tributária pode aceder, e pela imposição, aos cidadãos de deveres de colaboração para facilitar esse acesso. Se, as novas técnicas informáticas podem representar ameaças ao direito à intimidade dos cidadãos, entendemos que também facilitam o estabelecimento das relações entre o contribuinte e a Administração tributária.
As normas que estabelecem os deveres de colaboração com a Administração tributária, devem ser interpretadas em conjugação com as demais normas e princípios que fazem parte do ordenamento jurídico em que se inserem, nomeadamente as que protegem a intimidade privada”.
É de notar que o sigilo bancário em apreço é apenas um subtipo do conceito basilar do sigilo profissional, e este consiste no dever de confidencialidade sobre determinados factos, que resultam normalmente de profissões específicas, tais como, os médicos, advogados, sacerdotes, etc.
Convém salientar que o sigilo bancário não pode ser confundido com o sigilo fiscal (o dever de confidencialidade impende sobre a administração tributária e os seus funcionários), uma vez que estes têm naturezas distintas quanto ao seu objecto de sigilo.
Posto isto, esta questão do sigilo bancário conduz à existência de potenciais conflitos de princípios, que estão constitucionalmente previstos e protegidos, e são eles o princípio da verdade material, o princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar e o princípio do sigilo profissional.
O princípio da verdade material pode ser aferido, no seu significado, de uma forma negativa, ou seja, pela verdade formal ou processual, neste âmbito basta para o agente a verificação da verdade formal, no entanto, na verdade material, para alem da verificação da verdade formal ou processual, também é necessário verificar a sua verdade “absoluta” e materialmente verdadeira.
Relativamente ao princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar o art.º 80, n.1 do CC (Código Civil) explica bem o alcance deste princípio: “Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”.
No que respeita à jurisprudência do TC, no âmbito da análise sobre o conteúdo essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, como no âmbito da derrogação do segredo bancário, aquele Tribunal, na mesma linha de orientação defendida pela doutrina, sublinha, no Ac nº 278/95 (33), que «está (…) em condições de afirmar que a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da CRP, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito.
No art.º 80, alínea 2, também encontramos o alcance do princípio do sigilo profissional: “A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”.
O segredo profissional é um dever de sigilo que recai sobre os membros de determinadas profissões, de não revelar a terceiros dados conhecidos no exercício das suas funções, por poderem violar o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito de personalidade protegidos pelo direito (art.º 63, n.º 2 LGT).
Assim é de sublinhar que a concordância prática destes três princípios na esfera do sigilo bancário não é tarefa fácil, isto porque, estes são notoriamente dicotómicos, de um lado o direito à reserva da vida privada e familiar a proteger e preservar, de outro, o direito a uma justa repartição dos encargos públicos (princípio da verdade material), consequentemente existem interesses em conflito, designadamente o direito dos contribuintes ao sigilo bancário, mas em contraponto, o poder-dever da administração tributária de repor a justiça tributária.
     Quando se atribuí liberdade ou garantia ao contribuinte de que é titular de uma conta bancária, o interesse público fica desprotegido no que toca à justiça colectiva, e a propensa fraude tributária ficará protegida pelo sigilo bancário. O mesmo se passa quando se protege demasiadamente o interesse público, em detrimento da esfera mínima que deve estar assegurada ao cidadão em geral, isto para não haver atropelos nos seus direitos fundamentais.

2.4.       Derrogação do Sigilo Bancário

Como já se viu, a concordância prática dos 3 princípios não é fácil, daí que estes devem ser disciplinados por lei, que é feita pela LGT  no seu art.º 63 e seguintes, cuja regra-geral para a derrogação do sigilo bancário é a necessidade expressa de autorização judicial, aqui parece à partida que o legislador quis dar prevalência ao princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar e do princípio do sigilo profissional, no caso concreto o sigilo bancário, contudo não é bem assim, o legislador quis também evitar situações de abuso, e com objectivos de prevenção no que diz respeito à fraude fiscal, pondo assim em prática o princípio da verdade material, portanto é possível a derrogação do sigilo bancário com e sem autorização judicial, tudo depende do caso em concreto, por exemplo, se houver indícios da prática de crime em matéria tributária, e o sujeito passivo estiver enquadrado na categoria B, a administração tributária pode de imediato, sem autorização judicial, ter acesso à conta bancária desse sujeito passivo (art.º 63 – B LGT).
Quanto a este processo, a Lei n.º 30-G/2000 instituiu um processo especial, previsto nos artigos 63.º-B, n.º 5 e 8, e 146.º-A e seguintes do CPPT.
O processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, segundo o especificamente previsto no n.º 2 do art. 146.º-A do CPPT, «reveste as seguintes formas:
a) Recurso interposto pelo contribuinte; ou,
b) Pedido de autorização da administração tributária».
No caso do recurso interposto pelo contribuinte, é evidente que o mesmo existe naquelas situações de decisão administrativa de acesso da administração tributária à informação bancária para fins fiscais, de acordo com o previsto nos n.º 1, 2, 3 e 5 do artigo 63.º-B da LGT .
Já a situação da alínea b), do n.º 2, do art. 146.º-A, do CPPT, se refere à extensão do «acesso da administração tributária à informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte», de acordo com os demais requisitos consagrados nos termos do n.º 8 do art. 63.º-B da LGT.
     Salientamos que esta problemática é bastante volátil, e o sigilo bancário impende prioritariamente mais para um princípio ou para outro, tudo dependendo da ideologia de um dado governo, ou da situação social e económica de um país.  

CONCLUSÃO

Em Portugal, o dever de sigilo bancário destina-se a proteger os direitos pessoais ao bom nome e à reserva da privacidade, bem como o interesse privado da protecção das relações de confiança entre as instituições financeiras e os respectivos clientes.
A temática do acesso à informação bancária, mediante a derrogação do segredo bancário, continua a constituir uma fértil arena de discussão, quer para a doutrina, quer para a jurisprudência, e, considerados os interesses em jogo, assim continuará a ser no futuro.
A complexidade que o acesso à informação bancária coloca, sobretudo quando é o legislador a intervir “cirurgicamente”, mediante a publicação de novas normas regulamentadoras desta realidade complexa, poderá, num futuro próximo, exigir uma intervenção, sobretudo do TC, no sentido de serem os órgãos jurisdicionais a fazer luz sobre uma matéria cada vez mais complexa e internacional. Pelo que, o Ac do TC n.º 287/95, à luz da análise e das considerações desenvolvidas, deve, não só merecer o nosso aplauso na defesa das exigências de tutela e garantia dos direitos do contribuinte, mas também constituir um ponto de partida para ulteriores reflexões sobre o tema em análise.
As exigências do Estado, sobretudo na sua veste de AT, na luta constante contra a evasão e fraudes fiscais, exigem, no mundo de hoje, a invasão de uma área da esfera do contribuinte/cidadão, que poderá levantar várias questões, sobretudo quando se praticam erros em interpretações, indiciárias e hipotéticas, de factos ilegítimos e não consentidos pelos princípios constitucionais básicos do nosso ordenamento jurídico normativo.
A questão que se coloca ao fim destas páginas: deverá ou não manter-se o sigilo bancário tal como está configurado na legislação portuguesa?

BIBLIOGRAFIA

Da Rocha, Joaquim, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra, Coimbra Editora, 2º Edição, 2008.
Da Rocha, Isabel, Da Rocha, Joaquim, “Fiscal”, Porto, Porto Editora, 23ª Edição, 2009.
“Código Civil”, Coimbra, Livraria Almedina, Edição 2009.
Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo Bancário e Tributação pelo Lucro Real”, Ciência Técnica Fiscal, 1995.
Pinto, Paulo Mota, “O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada”, BFDUC, 1993.




[1] Cf, Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo Bancário e tributação pelo lucro real”, Ciência e Técnica Fiscal,n.º 377, 1995, pp. 26-28, e, ainda, Pinto, Paulo Mota, “O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, BFDUC, 69, 1993, 479-585.

[2] Neto, Jorge – “Sigilo Bancário: Que Futuro?”, Fisco, n.º 107/108, LEX, p. 49.
[3] Cf., ainda, o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro e a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
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