Poderes
de investigação tributária- algumas limitações
Regina de Almeida Monteiro
DEZEMBRO 2010
ÍNDICE
ÍNDICE..................................................................................................................................... 2
Abreviaturas utilizadas........................................................................................................... 3
1. SISTEMA FISCAL EM PORTUGAL........................................................................................... 6
2. SIGILO BANCÁRIO............................................................................................................... 9
2.1. Origem Histórica........................................................................................................ 9
2.2. Em Portugal.............................................................................................................. 10
2.3. Limites aos Deveres de Colaboração....................................................................... 12
2.4. Derrogação do Sigilo Bancário.................................................................................. 16
CONCLUSÃO........................................................................................................................... 19
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 21
Abreviaturas utilizadas
AC – ACÓRDÃO
AT – ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
CC
– CÓDIGO CIVIL
CPPT
– CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
CRP – CONSTITUIÇÃO DA RÉPUBLICA PORTUGUESA
DGCI
– DIRECÇÃO GERAL DE IMPOSTOS
IRS
– IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINSULARES
LGT
– LEI GERAL TRIBUTÁRIA
TC
– TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O tema escolhido foi “LIMITES
AOS PODERES DE INVESTIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA”.
Constituindo a tributação uma questão multidisciplinar, uma vez
que envolve conhecimentos de administração, administração pública,
contabilidade, direito, economia, finanças, política, sociologia e outros
sectores de conhecimento, pensamos que mesmo um especialista, por mais
experiente que seja, terá dificuldades em abordaras matérias fiscais de forma
global.
Considerámos, no entanto, que o objectivo que nos propomos com o
presente trabalho, constitui um instrumental didáctico simples e viável pela
conotação a outros sectores do conhecimento considerados relevantes face à
temática em perspectiva e ao nosso propósito: por um lado, o processamento do
acesso da Administração Tributária (AT), para fins administrativos, à
informação bancária protegida pelo segredo bancário em Portugal, e, por outro,
a delicada questão que essa intervenção pode colocar, ao nível da tutela da privacy[1],
para o cidadão/contribuinte. B
Apesar do nosso tema se
referir aos Limites dos Poderes de Investigação da Administração Tributária, no
nosso entender e derivado às pesquisas efectuadas iremo-nos focar numa das
principais limitações: “SIGILIO BANCARIO”. Esta escolha foi determinada por
duas razões: a primeira, a actualidade e a discussão que este tema desperta em
vários quadrantes da sociedade portuguesa; e a segunda, e porventura a mais
importante, está relacionada com o contributo que um acesso da Administração
Tributária à informação bancária dos contribuintes poderá ter como instrumento
de combate à fraude e evasão fiscais.
1. SISTEMA
FISCAL EM PORTUGAL
De acordo com os dados do Ministério das Finanças, entre Agosto de
2008 e Julho de 2009 aproximadamente 40.196 contribuintes (88,2% do universo em
questão) efectuaram pagamentos em execução fiscal.
Foram instaurados cerca de 10 mil processos-crime contra as empresas
faltosas e contra os respectivos administradores, por falta de entrega dolosa
da prestação tributária de valor superior a 7.500 euros. Em 2008 foram
instaurados 4.542 processos de inquérito e, já este ano, foram instaurados
cerca de 5.500 processos.
O aumento do nível de instauração dos processos de inquérito não
corresponde a um aumento da criminalidade fiscal mas decorre, isso sim, das
melhorias introduzidas na capacidade de detecção de crimes tributários e na
metodologia de trabalho implementada nos serviços de investigação criminal da
DGCI.
De 1 de Janeiro até final de Julho de 2009 foram remetidos para o
Ministério Público e concluídos pela DGCI, após a realização dos respectivos
actos de investigação criminal fiscal, 2.580 processos de inquérito criminal,
como evidencia o gráfico seguinte.
Só um sistema fiscal coerente, estruturado e eficiente permite
alcançar a necessária equidade fiscal entre os cidadãos e as empresas que
competem no mercado. Por isso, a Administração Fiscal continuará a investir na
eficiência dos meios de investigação criminal fiscal, sendo importante relevar
a competência e o profissionalismo dos investigadores da DGCI, que tem sido
determinante para alcançar estes resultados.
2. SIGILO
BANCÁRIO
2.1.
Origem Histórica
A origem histórica do segredo
bancário remonta à Babilónia, há quatro mil anos atrás, com o Código de
Hammurabi. Aí surge pela primeira vez uma referência concreta ao segredo
bancário.
A
concepção moderna do sigilo bancário, porém, apenas viria a ter a sua
consagração já em pleno séc. XX, concretamente em 1934, quando as autoridades
suíças na sequência de um conflito com a Alemanha nacional-socialista a
propósito de declarações de haveres de alemães no estrangeiro e da subsequente
execução de três cidadãos, decidiram legislar sobre o sigilo bancário, punindo
criminalmente a sua violação.
De
então para cá, o conceito de sigilo bancário passou a ser incorporável no
léxico e na praxis da
actividade bancária[2].
2.2.
Em Portugal
A
consagração do segredo bancário, em Portugal, tem, na origem, razões históricas
recentes e relacionadas com a devassa pública das contas bancárias, no período
seguinte à revolução de 1974-75. O segredo bancário foi legalmente consagrado,
em 1975, através da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 644/75, de 15 de Novembro, e reforçado pelo Decreto-Lei n.º
729-F/75, de 22 de Dezembro, que consagrou as Bases Gerais das Instituições
Bancárias Nacionalizadas.
O
segredo bancário foi, ainda, visado com o Decreto-Lei n.º 475/76, de 16 Julho,
com a redacção que deu ao n.º 1 do art.º 290, do Código Penal, passando a
penalizar a violação do segredo, surgindo, aqui, o segredo bancário na
dependência do segredo profissional. Com o Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de
Janeiro, proibiu-se a revelação de informação bancária. Poucos anos mais tarde,
a legislação passa a estabelecer excepções, como, por exemplo, a Lei n.º 45/86,
de 1 de Outubro, que dava poderes à Alta Autoridade contra a Corrupção para
obter informações, mas restringia essa capacidade ao que não estivesse
abrangido por dever de sigilo protegido pela lei.
Na
década de noventa, os artigos 78.º a 80.º, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de
Dezembro, que estabeleceu o Regime Geral das Instituições de Crédito a
Sociedades Financeiras, consagra este dever de segredo absoluto (art.º 78),
embora admita algumas excepções, como as informações devidas ao Banco de
Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários ou ao Fundo de Garantia
dos Depósitos. A excepção é significativa, pois, além do papel de controlo do
sistema bancário que incumbe ao Banco de Portugal, esta lei define uma outra
instituição com poder de obter toda a informação que entenda relevante: a
Comissão do Mercado de Valores Imobiliários, que procura, com toda a
legitimidade, combater o inside trading. No entanto, este procedimento é
excepcional e, surpreendentemente, não é dada à administração fiscal a mesma
capacidade que é concedida à Comissão de Mercados de Valores Imobiliários.
Assim,
tanto o Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro) como a Lei Geral Tributária (aprovada
pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) mantêm a reserva do segredo
absoluto, em relação à administração pública. Aliás, a quebra do segredo
bancário só poderia ser autorizada pelos juízes dos tribunais comuns, estando
mesmo excluídos os tribunais fiscais nesta matéria (cf. os arts.º 211, n.º 1, e
212, n.º 3, da CRP). Só nos últimos anos foram adoptadas medidas que alargam a
capacidade da administração fiscal aceder à informação bancária[3]. A mudança
legislativa mais profunda foi introduzida com a reforma fiscal de 2000, com a
Lei n.º 30-G/2000, nomeadamente, com as alterações à LGT, que enfraqueceu o
segredo bancário, sobretudo, quando permitiu à própria AT o acesso à informação
bancária, protegida pelo segredo bancário, sem necessidade de autorização
judicial, e quando altera, ainda, o CPPT, estabelecendo as condições do
processo especial de derrogação, incluindo o recurso interposto pelo
contribuinte de decisão da administração fiscal.
Os
artigos 63.º e 63.º-B da LGT, aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro
e posteriormente alterado pela Lei
n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aplica-se aos factos tributários ocorridos após as respectivas entradas em vigor. Tal
significa que só no âmbito do
controlo de operações relativas ao exercício de 2001 houve a possibilidade de recurso a esta faculdade legal, na sua
versão originária. Em termos práticos, só a partir do ano de 2003 é que
começaram a ser instaurados procedimentos de derrogação do sigilo bancário.
2.3.
Limites aos Deveres de Colaboração
“Os sistemas tributários modernos
caracterizam-se pelo elevado volume de informação a que a Administração
tributária pode aceder, e pela imposição, aos cidadãos de deveres de
colaboração para facilitar esse acesso. Se, as novas técnicas informáticas podem
representar ameaças ao direito à intimidade dos cidadãos, entendemos que também
facilitam o estabelecimento das relações entre o contribuinte e a Administração
tributária.
As
normas que estabelecem os deveres de colaboração com a Administração
tributária, devem ser interpretadas em conjugação com as demais normas e
princípios que fazem parte do ordenamento jurídico em que se inserem,
nomeadamente as que protegem a intimidade privada”.
É
de notar que o sigilo bancário em apreço é apenas um subtipo do conceito
basilar do sigilo profissional, e este consiste no dever de confidencialidade
sobre determinados factos, que resultam normalmente de profissões específicas,
tais como, os médicos, advogados, sacerdotes, etc.
Convém
salientar que o sigilo bancário não pode ser confundido com o sigilo fiscal (o
dever de confidencialidade impende sobre a administração tributária e os seus
funcionários), uma vez que estes têm naturezas distintas quanto ao seu objecto
de sigilo.
Posto
isto, esta questão do sigilo bancário conduz à existência de potenciais
conflitos de princípios, que estão constitucionalmente previstos e protegidos,
e são eles o princípio da verdade material, o princípio da reserva de intimidade da
vida privada e familiar e o princípio do sigilo profissional.
O
princípio da verdade material pode ser aferido, no seu significado, de
uma forma negativa, ou seja, pela verdade formal ou processual, neste âmbito
basta para o agente a verificação da verdade formal, no entanto, na verdade
material, para alem da verificação da verdade formal ou processual, também é
necessário verificar a sua verdade “absoluta” e materialmente verdadeira.
Relativamente
ao princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar o art.º
80, n.1 do CC (Código Civil) explica bem o alcance deste princípio: “Todos
devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”.
No
que respeita à jurisprudência do TC, no âmbito da análise sobre o conteúdo
essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e
familiar, como no âmbito da derrogação do segredo bancário, aquele Tribunal, na
mesma linha de orientação defendida pela doutrina, sublinha, no Ac nº 278/95
(33), que «está (…) em condições de afirmar que a situação económica do
cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e
passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva
da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da CRP, surgindo
o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito.
No
art.º 80, alínea 2, também encontramos o alcance do princípio do sigilo
profissional: “A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso
e a condição das pessoas”.
O segredo profissional é
um dever de sigilo que recai sobre os membros de determinadas profissões, de
não revelar a terceiros dados conhecidos no exercício das suas funções, por
poderem violar o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito de
personalidade protegidos pelo direito (art.º 63, n.º 2 LGT).
Assim é de sublinhar que a
concordância prática destes três princípios na esfera do sigilo bancário não é
tarefa fácil, isto porque, estes são notoriamente dicotómicos, de um lado o
direito à reserva da vida privada e familiar a proteger e preservar, de outro,
o direito a uma justa repartição dos encargos públicos (princípio da verdade
material), consequentemente existem interesses em conflito, designadamente o
direito dos contribuintes ao sigilo bancário, mas em contraponto, o poder-dever
da administração tributária de repor a justiça tributária.
Quando
se atribuí liberdade ou garantia ao contribuinte de que é titular de uma conta
bancária, o interesse público fica desprotegido no que toca à justiça
colectiva, e a propensa fraude tributária ficará protegida pelo sigilo
bancário. O mesmo se passa quando se protege demasiadamente o interesse
público, em detrimento da esfera mínima que deve estar assegurada ao cidadão em
geral, isto para não haver atropelos nos seus direitos fundamentais.
2.4.
Derrogação do Sigilo Bancário
Como já se viu, a
concordância prática dos 3 princípios não é fácil, daí que estes devem ser
disciplinados por lei, que é feita pela LGT
no seu art.º 63 e seguintes, cuja regra-geral para a derrogação do
sigilo bancário é a necessidade expressa de autorização judicial, aqui parece à
partida que o legislador quis dar prevalência ao princípio da reserva de
intimidade da vida privada e familiar e do princípio do sigilo profissional, no
caso concreto o sigilo bancário, contudo não é bem assim, o legislador quis
também evitar situações de abuso, e com objectivos de prevenção no que diz
respeito à fraude fiscal, pondo assim em prática o princípio da verdade
material, portanto é possível a derrogação do sigilo bancário com e sem
autorização judicial, tudo depende do caso em concreto, por exemplo, se houver
indícios da prática de crime em matéria tributária, e o sujeito passivo estiver
enquadrado na categoria B, a administração tributária pode de imediato, sem
autorização judicial, ter acesso à conta bancária desse sujeito passivo (art.º
63 – B LGT).
Quanto a este processo, a Lei n.º
30-G/2000 instituiu um processo especial, previsto nos artigos 63.º-B, n.º 5 e
8, e 146.º-A e seguintes do CPPT.
O processo especial de derrogação do
dever de sigilo bancário, segundo o especificamente previsto no n.º 2 do art.
146.º-A do CPPT, «reveste as seguintes formas:
a) Recurso interposto pelo
contribuinte; ou,
b) Pedido de autorização da
administração tributária».
No caso do recurso interposto pelo
contribuinte, é evidente que o mesmo existe naquelas situações de decisão
administrativa de acesso da administração tributária à informação bancária para
fins fiscais, de acordo com o previsto nos n.º 1, 2, 3 e 5 do artigo 63.º-B da
LGT .
Já a situação da alínea b), do n.º 2,
do art. 146.º-A, do CPPT, se refere à extensão do «acesso da administração
tributária à informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros
que se encontrem numa relação especial com o contribuinte», de acordo com os
demais requisitos consagrados nos termos do n.º 8 do art. 63.º-B da LGT.
Salientamos
que esta problemática é bastante volátil, e o sigilo bancário impende
prioritariamente mais para um princípio ou para outro, tudo dependendo da
ideologia de um dado governo, ou da situação social e económica de um país.
CONCLUSÃO
Em Portugal, o dever de
sigilo bancário destina-se a proteger os direitos pessoais ao bom nome e à
reserva da privacidade, bem como o interesse privado da protecção das relações
de confiança entre as instituições financeiras e os respectivos clientes.
A temática do acesso à
informação bancária, mediante a derrogação do segredo bancário, continua a
constituir uma fértil arena de discussão, quer para a doutrina, quer para a
jurisprudência, e, considerados os interesses em jogo, assim continuará a ser
no futuro.
A complexidade que o
acesso à informação bancária coloca, sobretudo quando é o legislador a intervir
“cirurgicamente”, mediante a publicação de novas normas regulamentadoras desta
realidade complexa, poderá, num futuro próximo, exigir uma intervenção,
sobretudo do TC, no sentido de serem os órgãos jurisdicionais a fazer luz sobre
uma matéria cada vez mais complexa e internacional. Pelo que, o Ac do TC n.º
287/95, à luz da análise e das considerações desenvolvidas, deve, não só
merecer o nosso aplauso na defesa das exigências de tutela e garantia dos
direitos do contribuinte, mas também constituir um ponto de partida para
ulteriores reflexões sobre o tema em análise.
As exigências do Estado,
sobretudo na sua veste de AT, na luta constante contra a evasão e fraudes
fiscais, exigem, no mundo de hoje, a invasão de uma área da esfera do
contribuinte/cidadão, que poderá levantar várias questões, sobretudo quando se
praticam erros em interpretações, indiciárias e hipotéticas, de factos
ilegítimos e não consentidos pelos princípios constitucionais básicos do nosso
ordenamento jurídico normativo.
A questão que se coloca ao
fim destas páginas: deverá ou não manter-se o sigilo bancário tal como está
configurado na legislação portuguesa?
BIBLIOGRAFIA
Da Rocha, Joaquim, “Lições
de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra, Coimbra Editora, 2º
Edição, 2008.
Da Rocha, Isabel, Da
Rocha, Joaquim, “Fiscal”, Porto, Porto Editora, 23ª Edição, 2009.
“Código Civil”, Coimbra, Livraria Almedina, Edição 2009.
Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo
Bancário e Tributação pelo Lucro Real”, Ciência Técnica Fiscal, 1995.
Pinto, Paulo Mota, “O
Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada”, BFDUC, 1993.
[1] Cf,
Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo Bancário e tributação pelo lucro real”,
Ciência e Técnica Fiscal,n.º 377, 1995, pp. 26-28, e, ainda, Pinto, Paulo Mota,
“O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, BFDUC, 69, 1993,
479-585.
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