terça-feira, 4 de novembro de 2014

O facto tributário







O FACTO TRIBUTÁRIO




Regina de almeida Monteiro

Novembro de 200

1. Definição de Imposto


O Imposto é definido como prestação pecuniária, unilateral, definitiva, coactiva, exigida por lei, a detentores de capacidade contributiva, a favor de entidades que exerçam tarefas ou funções públicas, para a realização dessas funções, sem carácter sancionatório.
Prestação - tem natureza obrigacional e não real. Prestação é o objecto de uma obrigação. É o dar, fazer ou não fazer algo em nome de uma obrigação que se tem frente a outra pessoa. É o montante a pagar com determinada periodicidade para cumprir as obrigações financeiras assumidas num contrato de financiamento
Pecuniária – por ser concretizada em dinheiro. Distingue-se das prestações de carácter pessoal, como o serviço militar ou o serviço cívico, e das prestações de bens ou serviços exigidos aos particulares e da prestação na expropriação por utilidade pública.
Unilateral - Pelo cumprimento da obrigação de imposto não corresponde ao contribuinte qualquer “contraprestação específica”. O sujeito passivo está obrigado a pagar uma prestação não recebendo qualquer “contraprestação” por parte do sujeito activo. Distingue-se, pois, das taxas, dos preços públicos, da expropriação por utilidade pública e dos tributos especiais.
Definitiva - é uma prestação que não dá lugar a qualquer reembolso, restituição ou indemnização. Diferencia-se do empréstimo forçado, ou seja, não há acordo de vontades nem contrato de qualquer natureza.

Coactiva - é uma prestação que tem por fonte a lei. É a lei que confere o poder de tributar. O poder de tributar funda-se na lei que o Estado-legislador cria para o conceder ao Estado-administrador. Não intervém aqui a manifestação de vontade do contribuinte, pois a obrigação do imposto resulta, da verificação dos pressupostos do facto tributário tipificados da lei. Nestes termos o art. 36º, nº 1 e nº 2 da Lei Geral Tributaria referem que a relação jurídica tributaria constitui-se com o facto tributário e os elementos essenciais não podem ser alterados por vontade das partes.

Exigida a detentores de capacidade contributiva
- Exigida pessoas particulares ou colectivas, que tenham capacidade contributiva, ou antes que tenham rendimento ou capital, e na medida destes ou da sua utilização. Importa distinguir capacidade contributiva de capacidade tributária (capacidade de ser sujeito de uma posição jurídica tributaria. o artigo 4º, nº 1 da LGT vem expressar “ os pressupostos dos tributos”: os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património)
A favor de entidades que exerçam tarefas ou funções públicas - não está limitada a titularidade activa dos impostos às pessoas colectivas públicas, sendo admissível que as pessoas privadas poderão exigir impostos desde que exerçam funções públicas. Exemplo desta situação acontece nas empresas concessionárias de obras públicas, serviços públicos ou bens do domínio público desde que a lei lhes tenha atribua a qualidade de titulares activos das relações jurídicas fiscais.
Para realização dessas funções, finalidades dos impostos que continua a ser arrecadação de receitas para a realização de fins públicos. Aqui se distinguem os verdadeiros impostos ou impostos fiscais, que têm por finalidade a obtenção de receitas, dos falsos impostos ou impostos extra-fiscais que têm outras finalidades.
Sem carácter sancionatório, não se destina a punir actos ilícitos. Esta característica distingue os impostos da multa, da coima, do confisco e da indemnização.
Obedecem ao princípio da proporcionalidade (pois existe o confronto entre a importância a pagar e o valor ou custo do serviço a prestar). A Jurisprudência do tribunal constitucional relativa as taxas por infra-estruturas urbanísticas refere que depois de ultrapassado o teste de bilateralidade, se deve proceder ao teste do critério em que assenta essa taxa, ou esse critério assenta na ideia da proporcionalidade entre a prestação e a contraprestação especifica, deparando-nos com uma verdadeira taxa; ou não assenta numa tal ideia, caso em que teremos uma figura tributária que, em virtude de ter por base a capacidade contributiva, não pode deixar de guiar-se pelo regime próprio dos impostos.

2. Definição da relação tributária


            Na nossa doutrina e jurisprudência constitucional a taxa, enquanto espécie tributária, é uma prestação estabelecida pela lei, a favor de uma pessoa colectiva de direito público ou a exercer funções públicas como contrapartida de serviços individualmente prestados, da utilização de bens do domínio público ou da remoção de um limite à actividade dos particulares.   
O vínculo jurídico que se estabelece entre o sujeito passivo e a pessoa colectiva do direito público é de natureza obrigacional e constitui-se quando se verifica o pressuposto tipificado na lei, ou seja, quando a pessoa colectiva de direito público realiza a actividade administrativa referenciada ao sujeito passivo.
            A prestação em que a taxa se traduz é de natureza patrimonial, na medida em que o objecto da obrigação é uma obrigação em dinheiro ou avaliável em dinheiro. Trata-se de uma obrigação legal, na medida em que verificado o pressuposto típico previsto na lei a obrigação nasce por força da lei e independentemente da vontade do sujeito passivo - e uma coisa é que o serviço se preste de oficio ou a pedido do particular e outra é a fonte da obrigação que é a lei.


3. Elementos da relação jurídica


Contidos na própria noção de relação jurídica defrontamos os elementos que a constituem, sujeito, objecto, facto jurídico e garantia. É sobre estes grandes temas que iremos abordar.

 Sujeito - O sujeito é uma entidade ou pessoas entre as quais se estabelece a relação jurídica. Podermos abordar dois tipos de sujeito, o sujeito activo e o sujeito passivo. Sujeito activo é o titular de direito subjectivo que detém o poder. Art. 18 nº1 da LGT

     
Poder tributário – é um poder conferido constitucionalmente para a criação, incidência, instituição, estabelecimento dos impostos e a definição do seu regime.

Competência tributária – diz respeito à administração ou gestão dos impostos e que se traduz no lançamento, liquidação e cobrança, dividindo-se esta competência entre a administração fiscal e os particulares.
            Capacidade tributária activaé a qualidade do sujeito activo da relação de crédito em que a relação jurídica fiscal se consubstancia. É a titularidade do crédito de imposto e outros direitos tributários e é inerente à personalidade tributária activa ou susceptibilidade de ser sujeito activo da relação jurídica tributária e que nos termos do artigo 16º da LGT, é o credor do imposto.

            Titularidade da receita dos impostos – verifica-se nos casos em que as receitas provenientes de certos impostos estão consignadas a determinadas entidades que não tenham todas ou algumas das titularidades fiscais activas (consignação a favor das igrejas, comunidades religiosas ou pessoas colectivas de utilidade publica de 0,5% do correspondente IRS, liquidado com base nas declarações anuais).
Sujeito passivo é o que sofre a respectiva vinculação jurídica. Art. 18 nº3 da LGT

O sujeito passivo da relação jurídico fiscal


Costuma-se distinguir as seguintes figuras:
 Contribuinte – é a pessoa em relação à qual se verifica o facto tributário, o pressuposto de facto ou o facto gerador do imposto, isto é, o titular da manifestação da capacidade contributiva que a lei visa atingir e que por esse efeito irá suportar o desfalque patrimonial que o imposto provoca. Pelo lado do devedor do imposto o contribuinte é um devedor qualificado, pois é um devedor a título directo (e não indirecto como o substituto), originário (e não derivado como sucessor legal) e principal (não acessório, como o responsável fiscal).
Costuma-se distinguir entre o contribuinte de direito (contribuinte directo) e contribuinte de facto (contribuinte indirecto), sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo aquele que suporta economicamente o imposto em virtude da repercussão.

            Devedor do imposto – é o sujeito passivo que deve satisfazer perante o credor fiscal a obrigação de imposto. Em sentido amplo o devedor do imposto abrange não só o devedor principal e originário (aquele a quem o fisco exige em primeiro lugar a satisfação do crédito do imposto), mas também os devedores indirectos (substituto fiscal), derivados (sucessor legal) ou acessórios (responsável fiscal), aos quais o fisco exige em segundo lugar o crédito de imposto.

Sujeito passivo – é toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem a lei imponha o dever de efectuar uma prestação tributária, quer seja a prestação do imposto, quer sejam as obrigações acessórias. Sendo o devedor de imposto um qualificado sujeito passivo, como acima referimos, algumas vezes os dois conceitos não coincidem. Por exemplo, nas sociedades transparentes previstas nos artigos 6º e 12º do CIRC, o sujeito passivo não é devedor de imposto, que passam a ser os sócios.

Os sujeitos da relação jurídica devem ainda possuir personalidade jurídica. O direito atribui personalidade jurídica não só às pessoas singulares bem como às entidades, associações de seres humanos ou conjunto de bens, intituladas por pessoas colectivas. Completamos, assim, que os sujeitos de relação jurídica podem ser pessoas singulares ou pessoas colectivas.

O objecto da relação jurídica é o que reflecte os poderes do sujeito activo da relação. Contudo o objecto incide no direito subjectivo. Art. 30 da LGT
            Pessoas –nos direitos de personalidade, direitos pessoais de família e poder paternal.
            Coisas –  nos direitos reais (propriedade). Ex. Direito sobre um prédio rústico.
            Prestações – nos direitos de crédito em que o objecto é um acto humano.

 

Facto jurídico
O facto jurídico é um acontecimento que origina as relações jurídicas, esse acontecimento pode ser natural ou proveniente de uma acção humana. Todavia podemos explicar o facto jurídico como sendo todo o evento natural (involuntário, ex. tempestade) ou voluntário (vontade própria) que por sua vez origina consequências jurídicas.
O facto jurídico tem um papel condicionante do surgimento da relação, é uma condição da sua existência. No entanto os factos jurídicos não se esgotam na criação de relações, pois podem também modificá-las ou até mesmo extingui-las. Daí a sua classificação em factos constitutivos, modificativos ou extintivos, consecutivamente dêem origem a uma relação jurídica nova ou apenas modifiquem as relações jurídicas. Art. Nº36 da LGT

A garantia

Por fim como ultimo elemento da relação jurídica temos a garantia. Esta consiste na susceptibilidade de protecção coactiva do poder de que é titular o sujeito activo da relação e representa-se no conjunto de providências que a lei constitui para assegurar essa protecção.
As providências podem ser adoptadas pelo estado, por intermédio dos tribunais, que se deliberam não só a proteger o direito do sujeito activo quando ofendido ou insatisfeito, mas ainda a defendê-lo contra simples ameaças.
É importante também referir que ao titular do direito ofendido ou ameaçado não é permitido aplicar a sua própria força. Não pode fazer justiça com as suas próprias mãos.
A defesa da ordem jurídica compete ao estado que a realize por intermédio dos tribunais. Todavia, no direito privado, os tribunais só actuam se a sua intervenção for solicitada pelo titular do direito protegido.

Facto Jurídico


É todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente relevante. Esta relevância jurídica traduz-se principalmente na produção de efeitos jurídicos.
A constituição de uma relação jurídica depende sempre de um acontecimento, acontecimento esse a que o Direito Fiscal reconhece relevância como fonte de eficácia jurídica. A delimitação de facto jurídico é tarefa que cabe ao próprio Direito Fiscal.
A criação de efeitos jurídicos cabe à norma jurídica. Daí que, os factos jurídicos constituam a caracterização das situações que sob forma hipotética a norma faz depender a produção de efeitos de Direito.

Classificação dos factos jurídicos


A primeira classificação dos factos jurídicos é a que se pode estabelecer entre factos voluntários ou actos jurídicos, resultam da vontade como elemento juridicamente relevante, são a manifestação de uma vontade; são acções humanas tratadas pelo direito enquanto manifestação de vontade.
Os factos jurídicos involuntários ou naturais, são estranhos a qualquer processo voluntário – ou porque resultam de causas de ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.
Classifica-se, os factos humanos em voluntários, e os factos naturais em extraordinários/involuntários.
Mas, há factos humanos não voluntários, porque a vontade do Homem não é determinante nem na sua produção nem nos efeitos que lhes são correspondentes.
Os factos jurídicos humanos (caracterizam-se por acções que atingem um determinado fim) podem também ser, não voluntários, integrando-se estes naqueles comportamentos caracterizados por se dirigirem a um fim que o Homem mentalmente antecipa e quer realizar.
No entanto, nem sempre o Direito atende a esta estrutura finalista de acção humana. Há factos em relação aos quais, o seu carácter humano é voluntário, é completamente desconsiderado pelo Direito na atribuição de quaisquer fins, e tudo acaba por se passar como se de um acto natural se tratasse.

4. Definição de Personalidade Jurídica:


            Personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Ideia ligada à de pessoa, é reconhecida actualmente a todo ser humano e independentemente da consciência ou vontade do indivíduo: recém-nascidos, deficientes e doentes inconscientes possuem, todos, personalidade jurídica. Esta é, portanto, um atributo inseparável da pessoa, à qual o direito reconhece a possibilidade de ser titular de direitos e obrigações. O direito não concede personalidade a seres vivos que não sejam humanos, nem a seres inanimados, o que os impede de adquirir direitos.

 Através da análise dos artigos 15ºe 16º da Lei Geral Tributária entendemos que a personalidade tributária traduz-se na condição de ser sujeito passivo ou activo, ou seja, a qualidade de ser titular dos direitos e deveres tributários correspondentes. Neste caso, são sujeitos passivos das relações jurídicas tributárias os detentores de personalidade jurídica, excepto quando a Lei Tributária disser o contrário.
A Personalidade Jurídica traduz-se precisamente na susceptibilidade de ser titular de direitos e se estar adstrito a vinculações, art. 66º/1 CC.
À Personalidade Jurídica é inerente a Capacidade Jurídica ou a Capacidade de Gozo de direitos (art. 67º CC).
Fala-se pois, de personalidade para exprimir a qualidade ou condição jurídica do ente em causa – ente que pode ter ou não ter personalidade. Fala-se de Capacidade Jurídica para exprimir a aptidão para ser titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações jurídicas – pode por isso ter-se uma medida maior ou menor de capacidade, segundo certas condições ou situações, sendo-se sempre pessoa, seja qual for a medida da capacidade.

5. Capacidade Jurídica


 É a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é susceptível, art. 67º CC, traduzindo esta inseparabilidade, estabelece que “as pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste na sua Capacidade Jurídica”.
A Capacidade divide-se em Capacidade de Gozo, é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa pode ser titular e a que pode estar adstrita. Capacidade de Exercício, consiste na medida de direitos e de vinculações que uma pessoa pode exercer por si só pessoal e livremente.
Enquanto na Capacidade de Gozo esta coloca-se no plano abstracto da titularidade de situações jurídicas, na Capacidade de Exercício estamos já no plano concreto de averiguar em que medida certa pessoa pode exercer os direitos ou cumprir as obrigações que na verdade lhe podem caber enquanto sujeito. Pode haver Capacidade de Gozo e não haver Capacidade de Exercício.
A Capacidade Genérica é quando a generalidade dos direitos e das vinculações reconhecidas pela ordem jurídica. (art. 67º CC). A Capacidade Específica é a capacidade das pessoas num âmbito mais restrito de apenas abranger certas categorias e vinculações de direito, ex. Pessoas Colectivas, art. 160º/1 CC.
Por oposto existe a Incapacidade Jurídica, que é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa não é susceptível. Há pessoas que são titulares da Capacidade de Gozo, mas não de exercício. Pode-se ter Capacidade de Gozo genérica e não ter uma Capacidade de Exercício genérica, ex. menores.
A Incapacidade de Gozo não admite suprimento, enquanto que a Capacidade de Exercício é suprível.
A Incapacidade de Gozo reporta-se à titularidade de direitos e vinculações de que uma pessoa pode gozar. Neste campo não é viável suprir uma incapacidade.
Na Incapacidade de Exercício está em causa a impossibilidade de certa pessoa que é titular de um determinado direito, exercê-lo pessoalmente. No entanto, já é viável a outra pessoa que venha a exercer esse mesmo direito em conjunto com o incapaz, ou em substituição deste. A ideia de suprimento é sempre inerente à ideia de Capacidade de Exercício.

Os tributos serão todas as prestações pecuniárias coactivas devidas pelos sujeitos passivos a entidades públicas com a finalidade de satisfação das necessidades financeiras do Estado

6. Cumprimento da obrigação tributária


Facto tributário, está sujeito ao princípio da tipicidade (fechada), o que leva a alguma especificação na integração de lacunas, toda a riqueza ou rendimento é possível de imposto. Subsunção do facto à norma, aplica-se ao facto tributário a norma que potência a determinação de imposto.
O cumprimento, ou pagamento, constitui a forma normal de extinção da obrigação tributária, como de qualquer outra. O princípio fundamental em matéria de cumprimento é o da pontualidade, o que significa que o cumprimento há-de corresponder, em todos os aspectos ao montante à época, ao local e ao modo.
A pontualidade não exige, normalmente, que a obrigação deva ser cumprida pelo próprio sujeito passivo, directamente ou através dos seus representantes, legais ou voluntários. Compreende-se bem que assim seja em relação à generalidade das prestações tributárias, por não se tratar de prestações de coisa, ou de facto, mas sim, normalmente, de prestações pecuniárias. No entanto, algumas prestações acessórias poderão ser exigidas pessoalmente do contribuinte.
A prestação tributária deverá ser realizada no prazo e no local estabelecidos e pela forma legalmente prevista. Quanto ao prazo do cumprimento, é muitas vezes estabelecido directamente pela lei, que tem definido um período de cobrança, durante o qual os impostos podem ser pagos sem juros de mora, um período de cobrança voluntária, durante o qual os impostos já só podem ser pagos acrescidos dos respectivos juros de mora, e um período de cobrança coerciva, iniciado com o relaxe das contribuições. Assim acontece com os impostos directos periódicos.

















Poderes de investigação tributária- algumas limitações                         

           Regina de Almeida Monteiro           









DEZEMBRO 2010

ÍNDICE


ÍNDICE..................................................................................................................................... 2
Abreviaturas utilizadas........................................................................................................... 3
1.    SISTEMA FISCAL EM PORTUGAL........................................................................................... 6
2.    SIGILO BANCÁRIO............................................................................................................... 9
2.1.    Origem Histórica........................................................................................................ 9
2.2.    Em Portugal.............................................................................................................. 10
2.3.    Limites aos Deveres de Colaboração....................................................................... 12
2.4.    Derrogação do Sigilo Bancário.................................................................................. 16
CONCLUSÃO........................................................................................................................... 19
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 21





Abreviaturas utilizadas

AC – ACÓRDÃO
AT – ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
CC – CÓDIGO CIVIL
CPPT – CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
CRP – CONSTITUIÇÃO DA RÉPUBLICA PORTUGUESA
DGCI – DIRECÇÃO GERAL DE IMPOSTOS
IRS – IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS SINSULARES
LGT – LEI GERAL TRIBUTÁRIA
TC – TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


O tema escolhido foi “LIMITES AOS PODERES DE INVESTIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA”.
Constituindo a tributação uma questão multidisciplinar, uma vez que envolve conhecimentos de administração, administração pública, contabilidade, direito, economia, finanças, política, sociologia e outros sectores de conhecimento, pensamos que mesmo um especialista, por mais experiente que seja, terá dificuldades em abordaras matérias fiscais de forma global.
Considerámos, no entanto, que o objectivo que nos propomos com o presente trabalho, constitui um instrumental didáctico simples e viável pela conotação a outros sectores do conhecimento considerados relevantes face à temática em perspectiva e ao nosso propósito: por um lado, o processamento do acesso da Administração Tributária (AT), para fins administrativos, à informação bancária protegida pelo segredo bancário em Portugal, e, por outro, a delicada questão que essa intervenção pode colocar, ao nível da tutela da privacy[1], para o cidadão/contribuinte. B
Apesar do nosso tema se referir aos Limites dos Poderes de Investigação da Administração Tributária, no nosso entender e derivado às pesquisas efectuadas iremo-nos focar numa das principais limitações: “SIGILIO BANCARIO”. Esta escolha foi determinada por duas razões: a primeira, a actualidade e a discussão que este tema desperta em vários quadrantes da sociedade portuguesa; e a segunda, e porventura a mais importante, está relacionada com o contributo que um acesso da Administração Tributária à informação bancária dos contribuintes poderá ter como instrumento de combate à fraude e evasão fiscais.

1.    SISTEMA FISCAL EM PORTUGAL

De acordo com os dados do Ministério das Finanças, entre Agosto de 2008 e Julho de 2009 aproximadamente 40.196 contribuintes (88,2% do universo em questão) efectuaram pagamentos em execução fiscal.
Foram instaurados cerca de 10 mil processos-crime contra as empresas faltosas e contra os respectivos administradores, por falta de entrega dolosa da prestação tributária de valor superior a 7.500 euros. Em 2008 foram instaurados 4.542 processos de inquérito e, já este ano, foram instaurados cerca de 5.500 processos.
O aumento do nível de instauração dos processos de inquérito não corresponde a um aumento da criminalidade fiscal mas decorre, isso sim, das melhorias introduzidas na capacidade de detecção de crimes tributários e na metodologia de trabalho implementada nos serviços de investigação criminal da DGCI.
De 1 de Janeiro até final de Julho de 2009 foram remetidos para o Ministério Público e concluídos pela DGCI, após a realização dos respectivos actos de investigação criminal fiscal, 2.580 processos de inquérito criminal, como evidencia o gráfico seguinte.
Só um sistema fiscal coerente, estruturado e eficiente permite alcançar a necessária equidade fiscal entre os cidadãos e as empresas que competem no mercado. Por isso, a Administração Fiscal continuará a investir na eficiência dos meios de investigação criminal fiscal, sendo importante relevar a competência e o profissionalismo dos investigadores da DGCI, que tem sido determinante para alcançar estes resultados.



2.    SIGILO BANCÁRIO


2.1.       Origem Histórica

A origem histórica do segredo bancário remonta à Babilónia, há quatro mil anos atrás, com o Código de Hammurabi. Aí surge pela primeira vez uma referência concreta ao segredo bancário.
A concepção moderna do sigilo bancário, porém, apenas viria a ter a sua consagração já em pleno séc. XX, concretamente em 1934, quando as autoridades suíças na sequência de um conflito com a Alemanha nacional-socialista a propósito de declarações de haveres de alemães no estrangeiro e da subsequente execução de três cidadãos, decidiram legislar sobre o sigilo bancário, punindo criminalmente a sua violação.
De então para cá, o conceito de sigilo bancário passou a ser incorporável no léxico e na praxis da actividade bancária[2].

2.2.       Em Portugal

A consagração do segredo bancário, em Portugal, tem, na origem, razões históricas recentes e relacionadas com a devassa pública das contas bancárias, no período seguinte à revolução de 1974-75. O segredo bancário foi legalmente consagrado, em 1975, através da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 644/75, de 15 de Novembro, e reforçado pelo Decreto-Lei n.º 729-F/75, de 22 de Dezembro, que consagrou as Bases Gerais das Instituições Bancárias Nacionalizadas.
O segredo bancário foi, ainda, visado com o Decreto-Lei n.º 475/76, de 16 Julho, com a redacção que deu ao n.º 1 do art.º 290, do Código Penal, passando a penalizar a violação do segredo, surgindo, aqui, o segredo bancário na dependência do segredo profissional. Com o Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro, proibiu-se a revelação de informação bancária. Poucos anos mais tarde, a legislação passa a estabelecer excepções, como, por exemplo, a Lei n.º 45/86, de 1 de Outubro, que dava poderes à Alta Autoridade contra a Corrupção para obter informações, mas restringia essa capacidade ao que não estivesse abrangido por dever de sigilo protegido pela lei.
Na década de noventa, os artigos 78.º a 80.º, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estabeleceu o Regime Geral das Instituições de Crédito a Sociedades Financeiras, consagra este dever de segredo absoluto (art.º 78), embora admita algumas excepções, como as informações devidas ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários ou ao Fundo de Garantia dos Depósitos. A excepção é significativa, pois, além do papel de controlo do sistema bancário que incumbe ao Banco de Portugal, esta lei define uma outra instituição com poder de obter toda a informação que entenda relevante: a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários, que procura, com toda a legitimidade, combater o inside trading. No entanto, este procedimento é excepcional e, surpreendentemente, não é dada à administração fiscal a mesma capacidade que é concedida à Comissão de Mercados de Valores Imobiliários.
Assim, tanto o Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro) como a Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) mantêm a reserva do segredo absoluto, em relação à administração pública. Aliás, a quebra do segredo bancário só poderia ser autorizada pelos juízes dos tribunais comuns, estando mesmo excluídos os tribunais fiscais nesta matéria (cf. os arts.º 211, n.º 1, e 212, n.º 3, da CRP). Só nos últimos anos foram adoptadas medidas que alargam a capacidade da administração fiscal aceder à informação bancária[3]. A mudança legislativa mais profunda foi introduzida com a reforma fiscal de 2000, com a Lei n.º 30-G/2000, nomeadamente, com as alterações à LGT, que enfraqueceu o segredo bancário, sobretudo, quando permitiu à própria AT o acesso à informação bancária, protegida pelo segredo bancário, sem necessidade de autorização judicial, e quando altera, ainda, o CPPT, estabelecendo as condições do processo especial de derrogação, incluindo o recurso interposto pelo contribuinte de decisão da administração fiscal.
Os artigos 63.º e 63.º-B da LGT, aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro e posteriormente alterado pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, aplica-se aos factos tributários ocorridos após as respectivas entradas em vigor. Tal significa que só no âmbito do controlo de operações relativas ao exercício de 2001 houve a possibilidade de recurso a esta faculdade legal, na sua versão originária. Em termos práticos, só a partir do ano de 2003 é que começaram a ser instaurados procedimentos de derrogação do sigilo bancário.

2.3.       Limites aos Deveres de Colaboração

 “Os sistemas tributários modernos caracterizam-se pelo elevado volume de informação a que a Administração tributária pode aceder, e pela imposição, aos cidadãos de deveres de colaboração para facilitar esse acesso. Se, as novas técnicas informáticas podem representar ameaças ao direito à intimidade dos cidadãos, entendemos que também facilitam o estabelecimento das relações entre o contribuinte e a Administração tributária.
As normas que estabelecem os deveres de colaboração com a Administração tributária, devem ser interpretadas em conjugação com as demais normas e princípios que fazem parte do ordenamento jurídico em que se inserem, nomeadamente as que protegem a intimidade privada”.
É de notar que o sigilo bancário em apreço é apenas um subtipo do conceito basilar do sigilo profissional, e este consiste no dever de confidencialidade sobre determinados factos, que resultam normalmente de profissões específicas, tais como, os médicos, advogados, sacerdotes, etc.
Convém salientar que o sigilo bancário não pode ser confundido com o sigilo fiscal (o dever de confidencialidade impende sobre a administração tributária e os seus funcionários), uma vez que estes têm naturezas distintas quanto ao seu objecto de sigilo.
Posto isto, esta questão do sigilo bancário conduz à existência de potenciais conflitos de princípios, que estão constitucionalmente previstos e protegidos, e são eles o princípio da verdade material, o princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar e o princípio do sigilo profissional.
O princípio da verdade material pode ser aferido, no seu significado, de uma forma negativa, ou seja, pela verdade formal ou processual, neste âmbito basta para o agente a verificação da verdade formal, no entanto, na verdade material, para alem da verificação da verdade formal ou processual, também é necessário verificar a sua verdade “absoluta” e materialmente verdadeira.
Relativamente ao princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar o art.º 80, n.1 do CC (Código Civil) explica bem o alcance deste princípio: “Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”.
No que respeita à jurisprudência do TC, no âmbito da análise sobre o conteúdo essencial do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar, como no âmbito da derrogação do segredo bancário, aquele Tribunal, na mesma linha de orientação defendida pela doutrina, sublinha, no Ac nº 278/95 (33), que «está (…) em condições de afirmar que a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, nº 1, da CRP, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito.
No art.º 80, alínea 2, também encontramos o alcance do princípio do sigilo profissional: “A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”.
O segredo profissional é um dever de sigilo que recai sobre os membros de determinadas profissões, de não revelar a terceiros dados conhecidos no exercício das suas funções, por poderem violar o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito de personalidade protegidos pelo direito (art.º 63, n.º 2 LGT).
Assim é de sublinhar que a concordância prática destes três princípios na esfera do sigilo bancário não é tarefa fácil, isto porque, estes são notoriamente dicotómicos, de um lado o direito à reserva da vida privada e familiar a proteger e preservar, de outro, o direito a uma justa repartição dos encargos públicos (princípio da verdade material), consequentemente existem interesses em conflito, designadamente o direito dos contribuintes ao sigilo bancário, mas em contraponto, o poder-dever da administração tributária de repor a justiça tributária.
     Quando se atribuí liberdade ou garantia ao contribuinte de que é titular de uma conta bancária, o interesse público fica desprotegido no que toca à justiça colectiva, e a propensa fraude tributária ficará protegida pelo sigilo bancário. O mesmo se passa quando se protege demasiadamente o interesse público, em detrimento da esfera mínima que deve estar assegurada ao cidadão em geral, isto para não haver atropelos nos seus direitos fundamentais.

2.4.       Derrogação do Sigilo Bancário

Como já se viu, a concordância prática dos 3 princípios não é fácil, daí que estes devem ser disciplinados por lei, que é feita pela LGT  no seu art.º 63 e seguintes, cuja regra-geral para a derrogação do sigilo bancário é a necessidade expressa de autorização judicial, aqui parece à partida que o legislador quis dar prevalência ao princípio da reserva de intimidade da vida privada e familiar e do princípio do sigilo profissional, no caso concreto o sigilo bancário, contudo não é bem assim, o legislador quis também evitar situações de abuso, e com objectivos de prevenção no que diz respeito à fraude fiscal, pondo assim em prática o princípio da verdade material, portanto é possível a derrogação do sigilo bancário com e sem autorização judicial, tudo depende do caso em concreto, por exemplo, se houver indícios da prática de crime em matéria tributária, e o sujeito passivo estiver enquadrado na categoria B, a administração tributária pode de imediato, sem autorização judicial, ter acesso à conta bancária desse sujeito passivo (art.º 63 – B LGT).
Quanto a este processo, a Lei n.º 30-G/2000 instituiu um processo especial, previsto nos artigos 63.º-B, n.º 5 e 8, e 146.º-A e seguintes do CPPT.
O processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, segundo o especificamente previsto no n.º 2 do art. 146.º-A do CPPT, «reveste as seguintes formas:
a) Recurso interposto pelo contribuinte; ou,
b) Pedido de autorização da administração tributária».
No caso do recurso interposto pelo contribuinte, é evidente que o mesmo existe naquelas situações de decisão administrativa de acesso da administração tributária à informação bancária para fins fiscais, de acordo com o previsto nos n.º 1, 2, 3 e 5 do artigo 63.º-B da LGT .
Já a situação da alínea b), do n.º 2, do art. 146.º-A, do CPPT, se refere à extensão do «acesso da administração tributária à informação bancária relevante relativa a familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte», de acordo com os demais requisitos consagrados nos termos do n.º 8 do art. 63.º-B da LGT.
     Salientamos que esta problemática é bastante volátil, e o sigilo bancário impende prioritariamente mais para um princípio ou para outro, tudo dependendo da ideologia de um dado governo, ou da situação social e económica de um país.  

CONCLUSÃO

Em Portugal, o dever de sigilo bancário destina-se a proteger os direitos pessoais ao bom nome e à reserva da privacidade, bem como o interesse privado da protecção das relações de confiança entre as instituições financeiras e os respectivos clientes.
A temática do acesso à informação bancária, mediante a derrogação do segredo bancário, continua a constituir uma fértil arena de discussão, quer para a doutrina, quer para a jurisprudência, e, considerados os interesses em jogo, assim continuará a ser no futuro.
A complexidade que o acesso à informação bancária coloca, sobretudo quando é o legislador a intervir “cirurgicamente”, mediante a publicação de novas normas regulamentadoras desta realidade complexa, poderá, num futuro próximo, exigir uma intervenção, sobretudo do TC, no sentido de serem os órgãos jurisdicionais a fazer luz sobre uma matéria cada vez mais complexa e internacional. Pelo que, o Ac do TC n.º 287/95, à luz da análise e das considerações desenvolvidas, deve, não só merecer o nosso aplauso na defesa das exigências de tutela e garantia dos direitos do contribuinte, mas também constituir um ponto de partida para ulteriores reflexões sobre o tema em análise.
As exigências do Estado, sobretudo na sua veste de AT, na luta constante contra a evasão e fraudes fiscais, exigem, no mundo de hoje, a invasão de uma área da esfera do contribuinte/cidadão, que poderá levantar várias questões, sobretudo quando se praticam erros em interpretações, indiciárias e hipotéticas, de factos ilegítimos e não consentidos pelos princípios constitucionais básicos do nosso ordenamento jurídico normativo.
A questão que se coloca ao fim destas páginas: deverá ou não manter-se o sigilo bancário tal como está configurado na legislação portuguesa?

BIBLIOGRAFIA

Da Rocha, Joaquim, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Coimbra, Coimbra Editora, 2º Edição, 2008.
Da Rocha, Isabel, Da Rocha, Joaquim, “Fiscal”, Porto, Porto Editora, 23ª Edição, 2009.
“Código Civil”, Coimbra, Livraria Almedina, Edição 2009.
Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo Bancário e Tributação pelo Lucro Real”, Ciência Técnica Fiscal, 1995.
Pinto, Paulo Mota, “O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada”, BFDUC, 1993.




[1] Cf, Sanches, J. L. Saldanha, “Segredo Bancário e tributação pelo lucro real”, Ciência e Técnica Fiscal,n.º 377, 1995, pp. 26-28, e, ainda, Pinto, Paulo Mota, “O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, BFDUC, 69, 1993, 479-585.

[2] Neto, Jorge – “Sigilo Bancário: Que Futuro?”, Fisco, n.º 107/108, LEX, p. 49.
[3] Cf., ainda, o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro e a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
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